sexta-feira, 9 de julho de 2010

Reinvenção da Infância

Procura-se e fala-se tanto sobre algo chamado “Infância”, que ninguém sabe como, onde e porque começou ou onde ela está. Infância, que pelo conceito que se tem não se sabe onde ela está ou onde vai parar. Imagina-se que a infância seja uma fase da vida, onde tudo é perfeito, o mundo é cor-de-rosa, não há problemas, erros ou tristezas. Tudo é perfeito e bonito. Mas a realidade não é bem assim. Pode ser para alguns poucos, mas para a grande maioria, a realidade é muito diferente da ideologia que se tem. Mas então, o que se fez dessa “infância” idealizada por todos? Por que há crianças que no “auge” da sua infância roubam, matam, usam drogas e, inclusive, prostituem-se? O que aconteceu com essa infância?

Fatos como os de crianças que matam, roubam e abusam sexualmente de outras crianças estão tornando-se cada vez mais comuns nos dias de hoje. Mas ninguém está acostumado com isso. E há pouquíssimas pessoas que procuram um jeito de ajudar essas crianças.
O artigo de Monteiro (O Seqüestro da Infância, Zero Hora, 12 de abril de 2000), relata a história de três crianças que obrigaram outras duas a comer fezes, abusaram-nas sexualmente e depois as mataram a pauladas, sem nenhum motivo (pelos menos é o que disseram aos jornalistas). O que aconteceu com a infância dessas crianças? Por que agiram desse modo tão brutal com outras crianças e falam com tanta naturalidade sobre o assunto? Há quem diga que a culpa de tamanha violência é a sociedade. E quem é a sociedade? Como se pode puni-la por permitir que aconteçam fatos como esse? Ah, claro! Trancafiem a sociedade atrás das grades como se faz com os bandidos; afinal a culpada é ela mesma! Tudo o que acontece é por culpa da sociedade. É muito fácil buscar culpados abstratos que não se pode punir. É preciso entender que a sociedade são todas as pessoas. Todos fazem parte da sociedade. Não é um sujeito apenas, mas todos. Esse é um fato a ser pensado e analisado. Quem sabe assim, a tal “sociedade” – que somos todos nós – perceba que talvez a culpa por essas crianças agir de modo tão violento seja dela (ou melhor, nossa).
Ainda em seu texto, Monteiro fala que o ponto em comum entre os personagens da violência “é a falta de uma família e a opção pela rua, a falta de educação e a opção pela vadiagem”. Entende-se por essa afirmação que as crianças estão optando por viver desse modo. Talvez por ser mais simples, sem regras, sem ter que dever obediência a alguém, por puro prazer. Mas pode-se entender, também, que elas acabam sendo subjetivadas a essa maneira de viver, pois refletem o que vêem, e agem de acordo com o que acham certo, ou ainda: são obrigadas a isso. Já que a “tal sociedade” as coloca nesse status de marginais delinqüentes e assassinos, sem buscar a solução para essa infância perdida.
Quando vemos ou ouvimos notícias de crianças matando ou roubando, ficamos chocados diante de tamanha selvageria e violência. E é nesse dado momento que devemos perguntar: “o que fazemos da infância”? A resposta é simples: nada. Só criamos discursos e lembranças.
De nada adianta criar discursos como “lugar de criança é na escola” ou “ser criança é ser inocente”, pois eles apenas azeitam a maquinaria de infância, que é produzida de acordo com o que lhes convém, mas não são levados a sério. As crianças perdem a sua “infância” idealizada pela “tal sociedade” e aprendem desde pequenos a sobreviver neste mundo. E é assim que sempre aconteceu. Não é de hoje que as crianças agem como adultos. Elas provavelmente sempre agiram, mas a partir desse dispositivo de infantilidade é que se passou ver a infância. E ela está apenas sendo percebida agora. Ou seja, as crianças agem como adultos porque sua infância (?) está perdida, roubada. Essa infância tão discutida e comentada está sendo reinventada pelas próprias crianças. É seu meio de se ajustar às suas necessidades de sobrevivência, pois, “só o mais forte sobrevive nesta selva de pedra”. É a sua visão de mundo e elas apenas refletem o que vêem.
Então se chega à conclusão de que praticamente não se fez nada acerca da infância. Apenas criaram-se discursos, lembranças e subjetividade. Discursos para promover a idéia de infância. Lembranças para ter saudade da “aurora da vida” e subjetividade para condicioná-las a agir como se quer. Pois a infância está subjetivada à vontade dos adultos e da própria infância. E o que foi feito para essa infância? Escolas? Instituições? Clubes? Conselhos Tutelares? Família? Como tudo isso funciona? As crianças não querem saber como funciona. Querem ver funcionar. Afinal, é da sua dita “infância” que está sendo tratado e falado. E elas, aos poucos, vão reinventando sua infância, refletindo tudo o que veem, seja bom ou ruim. Essas crianças citadas por Monteiro, com certeza antes de cometerem tais crimes, presenciaram algo parecido ou foram vítimas dessa violência que está aí fora, e só estão se protegendo.
Tudo faz parte da sujeição a que estamos submetidos (é uma idéia redundante, mas real). Mas não se pode generalizar, dizendo que todas as crianças serão más porque presenciaram atos de violência. Haverá aquelas que tentarão defender-se desse mundo de outra maneira, reinventando sua infância.

Aline de Paula Neves
Acadêmica do Curso de Pedagogia - FACOS

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